Feiras Livres: comida, cultura, cotidiano e tradição

Feira Livre

Feira Livre em São Paulo

doces década de 80

Saudosos doces da década de 80 (Fonte: Vejinha SP)

“Hoje é dia de feira”, toda vez que digo isso, majoritariamente aos sábados, lembro-me com nostalgia quando minha mãe repetia essa frase toda terça-feira, quando tinha feira bem na rua onde morava, felizmente algumas casas para cima, ou seria bem em frente à barraca de peixe. Terça-feira era o dia de, se tivesse sorte, ir com minha mãe e, quem sabe, ganhar um pastel, uma prova de fruta ou, com muita insistência, um daqueles sucos ultra doces, mega coloridos, de composição duvidosa, vendidos em embalagens de plásticos em formato de carro, fruta e até revolver. Curiosa década de 80, quando o politicamente correto ainda não era intenso, andava-se sem cinto de segurança no carro, brincava-se na rua até tarde e até chocolates em forma de cigarro era um hit, pouco famoso pela qualidade, e sim pelo formato e a brincadeira de imitar fumantes.

As terças-feiras eram assim, um misto de delícia e descontentamento. Eu adorava ir à feira com a minha mãe, provar uma fruta e ver as mil coisas que eram vendidas ali, até roupa que eu não entendia muito bem porque faziam parte, ao lado da barraca de frutas, mas minha mãe nunca parava para ver. Já o almoço tradicional deste dia da semana não atraía tanto, sempre ficava na torcida para que fosse possível trocar por um pastel, que naquela época era de queijo, de carne ou pizza, muito diferente das mil opções disponíveis nas feiras hoje em dia. Com o argumento de que era bom para a saúde e para crescer forte, dificilmente conseguia fugir do bife de fígado. Sim, eu comia carne vermelha quando criança, só nunca foi meu prato favorito, perdia feio para a abobrinha. Era uma criança de hábitos alimentares também curiosos, parecia a propaganda da chicória, boa de garfo, mas fã de legumes e verduras, que eram ainda mais gostosos na terça-feira, comprados fresquinhos quase sempre nas mesmas barracas.

Tapioca

Tapioca na Feira em São Paulo

Até hoje ir à feira é um dos meus programas favoritos. Longe de ser uma necessidade, com as mil opções de mercado 24 horas ou delivery pela internet, ir à feira é um ritual de alimentação, relação com a comida e turismo de cotidiano. De fato, gosto de ir à feira onde quer que eu esteja. Programinha de rotina na vida em São Paulo e item quase obrigatório na lista de viagens. Afinal, é uma das melhores experiências para observar e aprender mais sobre os costumes de cada local, as comidas efetivamente típicas e rotineiras, comportamentos e mais um importante elemento de cultura. Como as muitas opções de azeitona em Portugal, ou os queijos e crepes na França. E se um estrangeiro vem ao Brasil, visitar uma feira livre (além do Mercado Municipal) é uma das dicas mais frequentes. Ah, é um gostinho de Brasil comer um pastel de feira ou uma tapioca, tomar um caldo de cana, provar as inúmeras frutas.

Como hábito frequente na vida cotidiana, na feira é sempre possível conhecer alguma coisa nova, um legume diferente ou pegar uma sugestão de temperos com a feirante. Conversar com as pessoas, comparar preços, rir (ou não) das piadas do feirante, virar freguês das barracas favoritas, presenciar cenas como o próprio vendedor falando para o cliente habitual não comprar aquele peixe porque não está tão fresco (não são todos sinceros assim, melhor sempre estar atento).

Quem vai à feira, eventualmente, troca receitas com a pessoa do lado, pega uma dica com o próprio feirante, ou teve uma ideia inusitada de variação no cardápio ao ver um ingrediente com aquela cara boa (e num ótimo preço) logo ali ao lado do brócolis. Talvez a própria relação com a comida seja um pouco diferente quando se tem o hábito de frequentar a feira, e também uma das coisas boas de aprender a cozinhar melhor de uns anos para cá. Afinal, é bem diferente do esquema salada pronta ou comida congelada presentes nos melhores mercados, que já fui adepta assídua, confesso. No mercado você é cliente, na feira, freguês.

Mas engana-se quem pensa que é apenas comida. Muito além do tradicional pastel com garapa, há mais um monte de outras coisas que se vê na feira. Flores, utilidades domésticas, artistas de rua, entrevistas que vira e mexe acontecem por ali. Recentemente comecei a adotar a tapioca, aclamado item de alimentação saudável sem glúten, e uma das muitas comidas tradicionais brasileiras mais irresistíveis, muito além das óbvias feijoadas e caipirinhas. Para quem curte, fica a dica, além de já ter a versão industrializada nos mercados, boa “importação” do nordeste que já as tem há um bom tempo, na feira você também pode compras a goma prontinha para fazer. Confesso que corro risco de fazer da tapioca o bife de fígado da minha mãe: prato tradicional do dia de feira. Alternando obrigatoriamente com um peixinho fresquinho. É, provavelmente a feira seja 80% sobre comida mesmo. Tudo bem, é um dos melhores prazeres da vida, não é mesmo?!

Barraca de Flores

Barraca de Flores

Temperos e mais temperos

Temperos e mais temperos

Fruta não pode faltar!

Fruta não pode faltar!

Feira Livre em São Paulo

Feira Livre em São Paulo

PS: Ao lembrar da década de 80, achei uma matéria da Vejinha de 2010, mas com algumas saudosas “delícias” da época. Doces lembranças! http://vejasp.abril.com.br/blogs/vejinha/dez-doces-que-marcaram-os-anos-80/

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2 pensamentos sobre “Feiras Livres: comida, cultura, cotidiano e tradição

  1. André Coletti disse:

    Caramba Ju!! Quantas lembranças este post me trouxe, lembrei que na rua da casa da minha avó materna tinha feira também, só que às sextas feiras e sempre nas férias, ficava ansioso para ficar um dias na casa dela para viver toda esta sensação que vc maravilhosamente descreveu! Doces lembranças!!! Acrescento que ainda eu ganhava um dinheirinho, carregando as sacolas (aquelas de lona amarela) de compras das senhoras do bairro, sempre sobrava uma caixinha ou no mínimo um pastel!!! Muito legal !!! Obrigado por me proporcionar estes momentos de recordação tão importantes da minha infância!! Aliás, eu também não perco a chance de visitar a feira sempre que possível, não existe nada parecido com o pastel de feira e caldo de cana, saboreados na feira!!! Beijão!

  2. Muito legal André!! Muito legal despertar essas lembranças boas! Dia desses uma amiga, enquanto conversávamos sobre esse post, me contou que sua filha nunca foi à feira… e tem algo de especial na feira, né?!

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