Trabalhando e passeando onde quer que você esteja

3d illustration: Land and a group of suitcases. To take a vacati

“Você foi viajar a trabalho ou a passeio?” A pergunta é recorrente quando eu comento que estive na Amazônia, Portugal, Piauí, aqui ou algum lugar. O questionamento não é assim tão inovador, de certo também já fiz a mesma pergunta diversas vezes aos meus amigos e colegas. No entanto, a minha reação interna e percepção já mudaram completamente, até mesmo porque não sei exatamente como responder.

Fui passear, mas estava trabalhando! Mais do que falar sobre mobilidade, cada vez mais estou sentindo este conceito arraigado na minha visão de mundo e modelo de vida. Será que precisamos sempre pensar numa viagem que seja para uma coisa ou para outra? Precisa existir um objetivo central vinculado ao lugar onde estamos? Onde moro eu trabalho, onde passeio eu descanso? Tempo para trabalhar, tempo para passear?

“Escolha um trabalho que você ame e não terás que trabalhar um único dia em sua vida” Confúcio

Embora esteja absolutamente em linha com a citação um tanto clichê de Confúcio, ainda assim requer uma redefinição do que entendemos por trabalho. Ampliar a noção de obrigação para a produção e os resultados. Igualmente batido é mencionar as possibilidades trazidas pelas novas tecnologias. Porém, pela frequência da pergunta sobre a razão da viagem, será que, de verdade, já nos habituamos e integramos como realidade as possibilidades promovidas pelos recursos da sociedade atual?

Como estou trabalhando por projetos, a forma de lidar com o tempo e o lugar tomou outra dimensão. O foco explícito é a entrega, a orientação é o resultado. Onde e quando será feito, de fato, é o que menos importa. É claro, nem sempre, pois algumas atividades precisam ser presenciais – somos pessoas, a comunicação face a face ainda não pode ser totalmente substituída. Na semana passada, por exemplo, era impossível não estar em São Paulo, por conta de uma série de reuniões presenciais com clientes. Já o planejamento de outro projeto foi praticamente 100% realizado em Portugal. Outros textos escritos ao lado da piscina no Piauí. O formato de um planejamento de ações repensado em minha cabeça enquanto visitava as comunidades ribeirinhas da Amazônia.

Claro, não que seja assim uma rotina absolutamente desordenada, cada hora em algum lugar, sem agenda ou qualquer tipo de planejamento pessoal. Salvo quem trabalha com viagens (profissão que eu genuinamente invejo), ter uma base física e uma referência de programação de atividades tem grande valor. Só não consigo mais enxergar uma fronteira tão rígida entre esses dois universos, trabalho e diversão. Para mim, o próprio blog é um bom exemplo. Por mais que seja muito mais um projeto pessoal do que estritamente profissional, é inegável que aprendo muitas coisas conforme escrevo, ou simplesmente planejando temas, observando com mais atenção as experiências vividas, pesquisando assuntos e conceitos relacionados ao que pretendo abordar. É trabalho? É diversão? O que é? Não sei mesmo classificar, mas certamente é um compromisso.

Creio que talvez seja esse o principal elemento. Se há comprometimento, a mobilidade torna-se então mais possível, mais viável, e, em alguns casos, até mesmo mais produtiva. A mudança de ares e o contato com coisas diferentes muitas vezes oxigenam a criatividade e trazem soluções mais interessantes para determinadas situações. O conceito de ócio criativo, como a abordagem de Domenico de Masi, não é aleatório. Se engana quem pensa que tal teoria está atrelada ao não fazer nada ou ter excesso de tempo livre. Como explica o sociólogo, está relacionado ao trabalhar, estudar e se divertir ao mesmo tempo. Por acaso essas três vertentes estão presas ou alicerçadas em algum lugar pré-definido ou tem muito mais relação efetivamente com a personalidade e crenças da cada um?

Como eu não consigo ficar parada, estou mais para o estilo devagar e sempre, fazendo mais de alguma coisa ao mesmo tempo, o conceito de ócio não poderia mesmo ser interpretado como a total ausência de atividade. Porém, observar, falar com as pessoas, ler um livro, visitar uma atração, enfim, atividades pouco relacionadas à tradicional visão de trabalho no mundo corporativo, mas que são combustível essencial para minha produtividade e criatividade. Não subestimo nenhuma conversa, pois grandes ideias podem surgir da troca com um guru como também com o porteiro.

“Mas você vai trabalhar aqui?”, essa é a segunda pergunta mais ouvida fora de casa, normalmente pelos conhecidos de viagem. Ué! Se você também se diverte quando não viaja, por que não pode trabalhar quando está em trânsito? Justamente o sentido de mobilidade diferente da noção de férias. Não que as férias não sejam importantes, mas não acredito que precisa ser um período de libertação. Podemos ter, e fazer, um pouco dos dois, independente de onde estivermos. Talvez um dos aspectos mais difíceis seja lidar com o julgamento e a culpa, de ambos os lados, tanto de não estar trabalhando no esquema formal, escritório, com horário marcado, quanto de não estar apenas passeando e visitando quando estamos viajando.

Afinal, movimentando ou permanecendo, trabalhando e passeando onde quer que você esteja.

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2 pensamentos sobre “Trabalhando e passeando onde quer que você esteja

  1. André Coletti disse:

    Ju!! Me identifiquei muito com este post, como vc pôde acompanhar e algumas das minhas colocações, no meu período de executivo participei ativamente do processo de abertura de capital da empresa onde viajei muito tanto no Brasil quanto fora e a rotina do road show é massante. A forma que encontrei para minhas viajens de trabalho se tornarem prazerosas e das quais eu pudesse extrair as melhores lembranças, foram as corridas matinais!!! Para todas as minhas viagens a primeira coisa que ia para a mala era o tenis e o Garmin, cada lugar, cada paisagem ficaram gravadas em minha memória de forma marcante, a corrida solitária onde eu comigo mesmo podia refletir e curtir aquele momento de forma intensa e integral, fortalecendo a alma para a batalha que viria na sequencia do dia. Esta foi a forma que encontrei para que a pressão do período não fosse maior do que o meu propósito, e valeu muito te afirmo!!!! Um grande beijo e mais uma vez obrigado por poder lembrar disto!

  2. André, obrigada você! O melhor presente do blog é construirmos significados juntos. Seu exemplo é super bacana para nos lembrar tb de que é possível, né?! Bjs

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